quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Instantes Literários

Reflexões de mentes pessimistas, mas incrivelmente sãs



"Chamo-me Fernando Vidal Olmos, nasci em 24 de junho de 1911 em Capitáin Olmos, vilarejo da província de Buenos Aires que leva o nome de meu tataravô. Meço um metro e setenta e oito , peso cerca de setenta quilos, olhos cinza-esverdeados, cabelo liso e encanecido. sinais particulares: nenhum."

(...)

" - Com gente como o senhor o mundo jamais teria ido adiante!
- E de onde a senhora deduz que foi adiante?
Sorriu com menosprezo.
- Claro. Chegar a Nova York em vinte horas (!!!) não é um progresso.
- Não vejo nehuma vantagem em chegar rapidamente a Nova York. Quanto mais tempo se leva, melhor. Além disso, pensei que se referisse ao progresso espiritual.
- A tudo, senhor. O avião não é um acaso; é o símbolo do avanço geral. Inclusive os valores éticos. Não vai me dizer que a humanidade hoje não tem uma moral superior à da sociedade escravista.
- Ah, a senhora prefere os escravos com salário.
- É fácil ser cínico. Mas qualquer pessoa com boa fé sabe que o mundo conhece hoje valores morais que eram desconhecidos na Antiguidade.
- Sim, compreendo. Landru viajando de trem é superior a Diógenes viajando em trirreme.
- O senhor escolhe de propósito exemplos grotescos. Mas é evidente.
- Um chefe de Buchenwald é superior a um chefe de galeras. É melhor matar os bichos humanos com bombas de napalm que com arcos e flechas. A bomba de Hiroxima é mais benéfica que a batalha de Poitiers. É mais progessista torturar com aguilhada elétrica que com ratos, na China.
- Tudo isso são sofismas, porque são fatos isolados. A humanidade superará também essas barbaries. E a ignorância terá de ceder em toda a linha, ao final, à ciência e ao conhecimento.

(...)

- Se dependesse do senhor, não haveriam escolas. Se não me engano, o senhor deve ser partidário do analfabetismo.
- Em 1933, a Alemanha era um dos povos mais alfabetizados do mundo. Se as pessoas não soubessem ler, ao menos não poderiam ser estupidificadas dia a dia pelos jornais e revistas. Infelizmente, embora fossem analfabetos, ainda sobrariam outras maravilhas do progresso: o rádio, a televisão. Seria necessário extirpar os tímpanos das crianças e também os olhos. Mas esse seria um programa mais complicado.
- Apesar dos sofismas, a luz sempre prevalecerá sobre a escuridão e sobre o mal. O mal é a ignorância.
- Até agora, senhorita, o mal sempre prevaleceu sobre o bem.
- Outro sofisma. De onde o senhor tira tais barbaridades?
- Eu não tiro nada, senhorita: é a tranquila comprovação da história. Abra a história de Oncken em qualquer página e não encontrará senão guerras, degolas, conspirações, torturas, golpes de Estado e inquisições. Além disso, se prevelecesse sempre o bem, por que seria necessário pregá-lo? Se por sua natureza o homem não estivesse inclinado a fazer o mal, por que ele é proscrito, por que ele é estigmatizado?"


Trecho copiado da obra Sobre Heróis e Tumbas de Ernesto Sábato.

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