sexta-feira, 8 de julho de 2011

Votos

Ela tem os olhos castanhos e na boca o sorriso mais lindo que eu já vi. Um cabelo enroladinho, que faz um V na testa e forma um redemoinho de cachinhos que eu adoro enrolar nos dedos. Ela tem a pele morena que vira quase negra quando se queima no sol. Uma pele lisa e cheirosa a qualquer hora do dia, mas com um cheiro especial quando sai do banho. Cheiro de maçã com canela. Ela tem os braços fortes e os músculos aparecem delineando as sombras quando ela está no banho e lava os cabelos. As pernas são longas, mas grossas. A voz é grave, mas suave e baixa. E calma na maior parte do tempo. O olhar é intenso e profundo, mas nem sempre está ali, onde ela está olhando. O hálito tem um cheirinho de anis e o ar que sai de suas narinas me inebria. No rosto, umas pintinhas que lembram sardas e outras mais fortes, no canto direito, acompanhando o desenho da orelha ao queixo. O queixo é alto, a cabeça sempre erguida, chegando a ser confundida com um certo ar de seriedade, que ela não tem, mas parece ter. Um certo ar de superioridade, que ela não sente, mas às vezes deveria sentir. (Porque é preciso saber de nossas qualidades tanto quanto sabemos de nossos defeitos). No coração, um mundo inteiro caberia sem ter que se apertar.
Ela usa óculos, mas quer fazer cirurgia. Eu acho os óculos um charme e prefiro que ela use lentes quando não for propício usá-los. Ela calça 38, mas veste 36, com uma cintura de dar inveja em todas as menininhas que passam na praia encolhendo as barrigas. E que me enche de orgulho (quase como a um homem tarado e machista, pensando: “Minha mulher é muito gostosa mesmo”). Ela faz o amor mais gosto que eu já tive e me ama de um jeito que me faz sentir o calor saindo dela e chegando em mim, cada vez que ela me olha e pára. E eu amo tanto de volta, que tenho medo dela não sentir assim, na mesma intensidade. Ágape e Eros numa luta constante, se misturando e alternando a cada instante. Ela não sabia que é tão especial assim, mas eu fiz o favor de contar. E lembro, sempre que ela precisa, que o meu amor só cresce porque nela eu vejo a pessoa mais linda que já encontrei. E eu amo por isso tudo e por tantas outras coisas mais. Amo por ela entender que nós não somos necessárias na vida uma da outra, que nós não precisamos uma da outra para sermos felizes. E caso para ela dividir comigo o caminho. Para acordar de manhã e pensar que foi ela quem eu escolhi, é ela que eu escolho todos os dias e por todos os próximos dias. E que a energia dos Orixás esteja sempre conosco para que esse amor nunca acabe. Axé!          


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Renovados todos os dias. 

terça-feira, 5 de julho de 2011

O primeiro mate

Eu tinha uns cinco ou seis anos. O bairro devia ser botafogo ou Jardim Botânico. Era uma tarde sépia, dessas que o sol baixa devagar, deixando tudo amarelado. A sala também me parecia sépia. Talvez por móveis antigos, estampas de sofás. Eram umas seis ou sete senhoras, provavelmente todas professoras. Eu estava com a minha avó naquela tarde e não consigo me lembrar porque era a única neta a acompanhá-la. Era um grupo de estudos. Na capa do livro que todas tinham nas mãos, um nome: Platão. No fim do encontro, uma mesa de lanche. Nesse dia, tomei meu primeiro copo de mate. Criança estranha, como podia gostar desse tipo de passeio?

sábado, 2 de julho de 2011

Eles crescem

- Pastelzinho de queijo ou de carne, Arthur?
- Queijo. E uma soda.
- Eu quero queijo também e uma Brahma.
- Mãe... e esse negócio aí de liberação da maconha? Você é a favor ou contra?
- (aquela engolida seca) Por quê, Arthur?
- Eu vi uma entrevista do Lobão falando disso.
- Filho, as pessoas só não querem mais ficar dando dinheiro pra bandido. Se legaliza, vira uma mercadoria, com impostos, locais onde você pode comprar, o governo vai saber exatamente quem compra e quem vende. Essas coisas.
- Então você é a favor?
- Arthur, existem outras drogas que são legalizadas e não há nenhum controle sobre elas. Bebidas alcoólicas, cigarro... E fazem muito mal. As pessoas morrem por causa delas todos os dias. Não acho que deveria vender maconha na padaria, por exemplo, como acho que não deveria vender cigarro também, entende? E acho que os impostos deveriam ser tão ou mais pesados, para que não seja barato comprar, para que o dinheiro recolhido pelo governo vá para gastos com saúde, educação, segurança pública, essas coisas.
- É mãe, o importante é para onde vai esse dinheiro, né? Porque é errado ficar dando dinheiro pra bandido.
- É errado e ninguém quer.
- Mas se os bandidos não venderem a maconha eles vão vender o quê?
- Eles vão arrumar alguma coisa errada pra fazer, mas provavelmente vai diminuir muito a quantidade de dinheiro que eles ganham. Com menos dinheiro, eles compram menos armas, ficam menos fortes e por aí vai. 
- Aí fica mais fácil da polícia prender eles, né?
- Supostamente sim. 
- É... o importante é para onde vai esse dinheiro.

Nossas conversas têm evoluído a passos largos. E ele só tem nove anos ainda.