domingo, 30 de dezembro de 2012

nata


uma cena de alguém cortando fora a tatoo com um estilete, minha avó num avião da FAB, meu avô entrando bêbado cantando boemia. era uma frase que eu me lembrei hoje de manhã e já me esqueci novamente. é alguma coisa com um longo começo sem falas, câmera fechada e o som do mar. é a sutileza de poucas palavras e histórias cruzadas em momentos banais. qualquer coisa com pássaros e gaiolas (gostei demais dessas metáforas) e um ambiente surrealista. tarantino, sudoeste e uma bela paisagem agreste. o mar. mais silencio que barulho. a música que é silêncio. o som do tunel. o tiro, o grito e o grito em expressão escrita. é algo sobre amizade e suportar essa dor imensa que corroi tudo enquanto buscamos enlouquecidamente os momentos para sorrir. é uma história de maquinista e de bondade e de coisas das quais somos capazes (sem precisar de momentos extremos e cruciais da vida). é sobre as pessoas que eu conheço e as historias que eu vi/ouvi por aí nesses últimos 28 anos.

no fim de tudo, é sobre o que eu nunca vou saber responder.


retrospectiva

e no meu sonho, ela era paz. negra, linda, cabelos longos escorrendo pelos ombros, olhos de mel, olhar de tranquilidade.

mais uma vez, eu não me lembro o que ouvi. mas se ouvi, está aqui dentro em algum lugar.

acordei e descobri que ela é mãe. que ela é mais paz do que guerra, que está mais perto do que longe.

acordei e descobri que são só meus os sentimentos que me acometem em sonhos.


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escrever nunca foi uma opção
misto de necessidade e impulso
única forma conhecida para expressar certas coisas

e é bem aí que eu encontro aquela velha dificuldade com algumas palavras faladas.

eu sei escrever.

e hoje eu sei disso.


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"seguro morreu de velho", diz meu pai.



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precisar se encontrar dentro de si mesma.

precisar conhecer ou reconhecer de si o que nunca foi tão claro.

o campo, o mar, a vida.

algumas coisas que sabemos podem se tornar insultos quando ditas.


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a violência da cidade é difundida por cada alminha que a habita.


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eu me a mim - sem egoísmos.

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acabou 2012 e o mundo ainda anda por aí.


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sabe o que não muda?
o conforto e sossego que eu encontro no seu cheiro.

talvez tenha ficado devendo mais declarações de amor.
mas ouvi esses dias, em algum filmeco-comedia-romântica-sessão-da-tarde, que quem precisa alarmar o amor que sente é porque não sente o amor que alarma.

eu te amo.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Pré-eleição


Vai e vem de urnas. A vida lá fora é tão mais interessante. Eu quero escrever um sonho. Me escrever dentro da pele do coelho. Eu nos olhos do Bartolomeu, ouvindo Morrison enquanto bebemos um vinho, fumamos cigarros e empesteamos o ambiente com incenso de benjoin para dissimular o cheiro da erva. Falar frases prontas e repetir versos antigos de poetas mortos, tão clichê quanto essa cena, essa sala, esse vinho nacional e esse vinil rodando só pra ouvirmos o chiado da agulha. Tão cafona quanto as roupas que usamos pra nos sentirmos mais atraentes. Tão patético quanto escrever em blog. A vida lá fora é tão mais interessante. E eu querendo escrever de dentro, de dentro dos olhos do Bartolomeu. Fugindo dos perigos da rua. Camuflando meu medo de polícia. Eu querendo escrever sem pensar, sem ler o que acabei de digitar. Exercício do português. Não sai.
É tudo inventado. Enquanto meu cachorro dorme sob meus pés.
Então vamos tentar novamente.
Eu tenho desistido de entender. Não há entendimento que dê conta. E as relações continuam nesse pé. Nesses sorrisos que se desfazem no ar quando viramos de costas.
Eu não me lembro.
Eu querendo que a música me embriague e que as horas passem bem, bem do jeito que costumam me agradar. Eu querendo de volta a madrugada. O silêncio do escuro no canto do quartinho vazio. Qualquer movimento fazia tremer. E as letras saiam quase que escorrendo por entre os dedos.
Agora eu sei do que se trata.
E não sei se sei fazer isso assim mais.
Strange days. Strange people.
O cheiro do café, o gosto da erva na boca.
Eu quero me.
De volta.
De um jeito que talvez nunca fui.
Eu sou o coelhão da loja de doces, te vendo passar pela calçada. Te vendo me olhar e sorrir. Te vendo voltar pra me buscar. Te vendo chegar com muitos amigos. Te vendo me jogar no fundo de uma caminhonete. Eu sou o coelhão da loja de doces que te vi apanhar na cara. Sou o coelhão que te viu apanhar na cara pra me devolver de onde me tirou. Eu te vi de dentro.
E o mundo te viu das câmeras de segurança que vigiam todas as ruas. Todos os passos. Até que digamos adeus.
Eu queria escrever um texto que viesse como uma música, como um blues tremendo de baixo pra cima. Segurando a frequência, segurando o ritmo que descarrega. Até a música acabar.
Eu de dentro dos olhos do Bartolomeu. Me negando a cheirar a bunda dos cãezinhos de madame que cruzam comigo no elevador. Correndo louco em direção ao sol. E deixar que essa luz me envolva. Em espiral. Um carrossel. As cenas que não se completam. Não é o início e não vai até o fim. E sempre volta pro mesmo lugar. E nunca está do mesmo jeito.
Eu sou quem te diz o que acontece. Mesmo sem cigarros, sem incensos, sem ervas e sem roupas. Só o Morrison continua aqui. Rodando sem o som da agulha.
Enquanto um doutor sei lá quem, muito entendido do cenário político nacional, dá pitacos sobre as intensões de votos que serão computados amanhã.  Empate técnico entre um ex-ministro do PT, um ex-ministro do PSDB e um representante da moral e dos bons costumes cristãos evangélicos que assolam o país desde a última depressão.
Que cidade é essa?!
Se as eleições cariocas fossem na capital paulista, o filho do Maia seria o campeão.
Enquanto isso, eu sou a mosca, que não pousa em sopa nenhuma.
Eu sou a mosca rondando na madrugada imunda, das cagadas que se fazem quando eleger seu candidato é precedente pra qualquer ato estúpido antiético.
Eu sou a mosca rondando a cabeça dos bêbados recolhidos da praça na véspera das eleições. Afinal de contas, bêbados também votam. E eu fiquei com os restos do que deixaram pra trás.
Mas ainda é meu esse teclado. E o controle remoto da TV. Troco do árabe reacionário pra banda de rock. Hoje é dia de rock, bebê.
Eu de dentro do coelhão, dos olhos do Bartolomeu, da mosca rondando em círculos.
Eu me procurando aí.
Sem erva, sem vinho, sem nada.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O corpo sem desejo


Um filete de sangue escorre do meu ouvido direito.
Ele não vai parar
Minha cabeça pulsa num inchaço lancinante.
Ele não vai parar
Meus joelhos e pulsos parecem ceder, despedaçando meu corpo disforme.
Ele não vai parar
A figura esquálida que vejo na tela, através da fresta em que se abrem meus olhos, um dia foi a imagem de mim.
O meu algoz sorri.
Esse corpo que pende não sou mais eu.
O corpo sem desejo é o corpo torturado.
Descolado da alma.
Inerte.

(Texto de estímulo para o II Experimento G2- Módulo Azul - SPET - 2012)

sábado, 29 de setembro de 2012

Eu não sei dar títulos aos textos que escrevo


Ah, doutor, o que é isso?
Muito diagnostico e pouca eficácia.
A objetividade me cegou.
Não ouço mais vozes.
Não digo mais nada.
Não há o que dizer.
As palavras são

A dramaturga calou-se.

Acordei e era uma noite hip hop.
Gritavam comigo
“Qual é a dessa fala?”
E falavam de mim
“Qual é a dessa porra dessa fala?”
E em minha defesa, a ausência
É o jeito que eu falo?
São as minhas palavras
ou o meu ritmo?
“Qual é a dessa fala?”

Acordei e eram os dois, o casal
me olhando da parede
me encarando à distância de quem vive em países frios
me encarando à distância de quem vive durante  guerras
Qual é a dessa fala?

A dramaturga ficou sem palavras

Eu poderia sentar aqui e escrever sete páginas
sete páginas de coisas bonitas e profundas
sete páginas de sete blogs sobre sete formas de manifestações da potência
Eu poderia sentar aqui e escrever pra vocês sete vezes o que eu já escrevi na vida
Mas não.

A dramaturga ficou sem palavras

O quanto é potência um soco bem dado no auge da raiva
O quanto é potência um grito desesperado na hora do medo
O quanto potência um monte de palavras empilhadas
O quanto potência
O quanto eu
Mas não

A dramaturga ficou sem

Acabo de acordar e é a cara dele sem graça
A cara dele querendo um soco no auge da raiva
A cara dele fugindo do meu olhar
Acabo de acordar e talvez, mais uma vez
talvez eu me importe mais do que deveria

Eu poderia sentar agora e escrever sete páginas
Mas são duas

sábado, 15 de setembro de 2012

E, até que enfim, eu chorei

Talvez, escrever seja bem mais que isso, seja tudo isso e mais aquilo tudo que a gente aprende. Talvez, às vezes, escrever seja apenas jogar fora essa angústia. Esse ar comprimido no peito, esse engasgo.

Talvez.

Talvez, não conseguir dormir depois de ouvir um cometário racista ainda seja o que sobra de mim nessa cidade.

Nessa cidade que se diz tão desenvolvida, que se auto-rotula lugar de todo mundo.

Lugar onde todo mundo é sempre massa e indivíduo. Sempre mais um na fila do metrô, do cinema, do restaurante, da padaria, do supermercado, fila de carro no pedágio, de bicicleta na nova ciclofaixa. E sempre mais um mundinho fechado. Mais um umbigo.

Será que alguém se ama em SP?

Tenho esbarrado muita gente nesse último ano e meio. Tive boas conversas em botequins e deliciosos jantares em restaurantes japoneses, mas amor...

Vai ver, essa história de amor é coisa de mineiro mesmo.

E eu, carioca de nascença, me amineirei pelo caminho.

Faz parte do meu caminho passar por aqui. (E disso eu sempre soube. Como uma certeza daquela que não se sabe bem de onde vem.) Mas...

Mas é uma vida que me deixa sem palavras, justo no momento em que eu aprendo cada vez mais sobre elas.

É uma vida que me deixa em pausas, enormes, respirando fundo pra resistir ao último olhar de preconceito, ao último comentário racista, a última demonstração de desprezo. Desespero. Por ar.

O meu falta a cada cinco minutos.

Eu pulo as linhas.

Talvez

Talvez, eu me importe mesmo é com respirar fundo. E sentir cheiro de vida. E não de cano de descarga.

E aí, meus braços e colos, que andam agora espalhados pelo mundo, me deixam sempre assim. Com essa nostalgia precoce.

E aí, olhar pro lado e ver o desespero no lugar do sorriso que me encanta. Ver angústia no lugar em que havia calma e tranquilidade, me faça respirar mais uma vez.





Amor, hoje, sou eu que não dou conta.

Amor, hoje, sou eu que quero pedir: "me tira daqui".

Porque o tempo que eu consigo prender a respiração nunca supera dois anos.

E já passou da hora da gente ser feliz.





terça-feira, 10 de julho de 2012

hipocrisias




Mania besta essa das pessoas não assumirem suas próprias pretensões.

Despretensiosos ficam em casa, não mudam a rotina, não cortam o cabelo em outro lugar.

Sem pretensão não há trabalho artístico. Sem pretensão eu escreveria pra mostrar pra minha mãe.

Minha mãe nunca leu uma linha do que eu escrevo.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

muda o ângulo

Baby, esse papo de gente invejosa já tá pra lá de chato. Vira a página, muda o disco e não dá tanto ibope. Se protege, se fecha, se fortalece e segue. Tanta coisa maior sem te derrubar até aqui. E tá logo ali, tá vendo? Tá logo ali na frente o que você tá indo atrás esse tempo todo. Falta uma esquina ou duas. Falta trocar a marcha no próximo sinal. Ela tá lá paradinha te esperando. Porque enfim você entendeu que ela não vai cair do céu. Ela não vem na sua direção. Mas ela esteve sempre ali. Logo ali. E a distância se preenche com trabalho. Morou? Faz o seu e vai embora. Deixa essa galera se esgoelando por aí, porque depois da próxima esquina, depois do próximo farol, a gente chega lá em cima, baby! E de lá, a gente manda um beijo. Um beijo na testa.

Sabe a carinha de dó do Sonnen? Agora muda o ângulo e vê a cara do Anderson. 
É preciso calma pra finalizar bem.

Um beijo e um queijo.



segunda-feira, 4 de junho de 2012

É um sei lá o quê que vem do estômago e teima em sair pela boca


ansiedade

Significado de Ansiedade

s.f. Angústia, aflição, grande inquietude.
Desejo veemente, impaciência, sofreguidão, avidez.
Medicina Estado psíquico acompanhado de excitação ou de inibição, que comporta uma sensação de constrição da garganta.

Sinônimos de Ansiedade

Sinônimo de ansiedade: anseioânsiadesesperoestertorimpaciência,sofreguidão e vasca

Definição de Ansiedade

Classe gramatical de ansiedade: Substantivo feminino
Separação das sílabas de ansiedade: an-si-e-da-de
Plural de ansiedade: antiansiedadesansiedades

Frases com a palavra ansiedade

Um pedaço de pão comido em paz é melhor do que um banquete comido comansiedade.
-- Esopo
ansiedade e o medo envenenam o corpo e o espírito.
-- George Bernard Shaw
Fonte: pensador.info

Exemplos com a palavra ansiedade na imprensa

Eles adoram café, chá, vinho e cervejas obscuras. São politicamente corretos, odeiam grandes corporações --mas mal conseguem aguentar de ansiedade quando um novo produto da Apple é lançado. Seguem alimentação vegetariana e adoram ir a brunchs aos sábados. Folha de São Paulo, 27/06/2009
A psicoterapia interpessoal de grupo melhorou em 50% sintomas como depressão eansiedade e em 80% a qualidade de vida de pacientes com transtorno do estresse pós-traumático. Folha de São Paulo, 29/06/2009

Outras informações sobre a palavra Ansiedade

Possui 9 letrasPossui as vogais: a e iPossui as consoantes: d n sA palavra Ansiedade escrita ao contrário: edadeisna

Rimas com ansiedade

  • utilidade
  • divindade
  • saciedade
  • frialdade
  • humildade
  • obesidade
  • igualdade
  • realidade
  • suavidade
  • crueldade
  • fatuidade
  • densidade
  • sociedade
  • claridade
  • brevidade
  • atividade
  • falsidade
  • santidade

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Gormley


                                                                                                              










Antony Gormley - Critical Mass

O que te pega pelo estômago?

Antony Gormley

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Drummond / Magritte

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
 
                                          
                                João cabral de Melo Neto

sábado, 31 de março de 2012

Presente


Essa Pequena 

Meu tempo é curto, o tempo dela sobra 
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora 
Temo que não dure muito a nossa novela, mas 
Eu sou tão feliz com ela 

Meu dia voa e ela não acorda 
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida 
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas 
Não canso de contemplá-la 

Feito avarento, conto os meus minutos 
Cada segundo que se esvai 
Cuidando dela, que anda noutro mundo 
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai 

Às vezes ela pinta a boca e sai 
Fique à vontade, eu digo, take your time 
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas 
O blues já valeu a pena 


sábado, 24 de março de 2012

amor

MULHER
Ele tá chegando.

HOMEM
Quando?

MULHER
Amanhã. Ele tá chegando amanhã.

HOMEM
A essa hora já vai estar aqui?

MULHER
Amanhã. Vai estar aqui a essa hora.

HOMEM
E você?

MULHER
Eu?

HOMEM
É. Você.

MULHER
Precisa estar tudo pronto quando ele chegar.

HOMEM
Precisa. E você?

MULHER
Eu?

HOMEM
É. Você.

MULHER
Eu estou aprontando tudo.

HOMEM
Já foi ao super mercado?

MULHER
Já tem tudo que ele gosta na geladeira.

HOMEM
Já foi à feira?

MULHER
Já tem tudo que ele gosta na geladeira. Já tem todas as frutas que ele gosta.

HOMEM
E você?

MULHER
Já temperei a carne que ele gosta. Assim pega mais o gosto. Amanhã vai estar ótima.

HOMEM
Ele chega quando?

MULHER
Amanhã. A essa hora mesmo já vai estar aqui.

HOMEM
E você?

MULHER
Vou fazer a tapioca que ele gosta. Já tem tudo aí.

HOMEM
Queijo coalho?

MULHER
Vai estar tudo pronto quando ele chegar. A mesa pronta.

HOMEM
E você?

MULHER
Eu até comprei um jogo novo de chá. Umas xicrinhas lindas!

HOMEM
Ele vem pro café?

MULHER
A essa hora mesmo, amanhã, ele já vai estar aqui.

HOMEM
E você?

MULHER
Vou levantar mais cedo, pra buscar o jornal. Vou deixar o jornal bem aqui.

HOMEM
Ele gosta de ler o jornal durante o café?

MULHER
Ele gosta do rádio ligado enquanto lê o jornal. Naquela rádio, como é mesmo o número daquela rádio?

HOMEM
Música clássica? Ele gosta de música clássica? E você?

MULHER
Vou buscar o rádio que emprestei pra Roseli.

HOMEM
Você, amanhã...

MULHER
Vou buscar e procuro a rádio ainda hoje e amanhã já vai estar tudo certo quando ele chegar.

HOMEM
Amanhã, você...

MULHER
Amanhã, vou vestir aquele vestido azul. Aquele que tem um decote em v.

HOMEM
Você...

MULHER
Amanhã, quando ele chegar, vai estar tudo pronto. E eu vou estar no meu vestido azul, preparando tapiocas, o rádio na rádio que ele gosta, o jornal na mesa, o jogo novo de chá, com aquelas xicrinhas lindas.

HOMEM
Amanhã, eu não venho.

MULHER
Amanhã, eu vou levantar um pouco mais cedo, pra dar tempo de tomar um banho antes dele chegar, buscar o jornal antes dele chegar, buscar umas flores antes dele chegar. Será que ele vai me trazer flores?

HOMEM
Ele não vai trazer flores.

MULHER
Posso começar a cozinhar a carne logo de manhã, assim o almoço sai ao meio dia, como ele gosta.

HOMEM
Amanhã, eu não venho.

MULHER
Você pode vir tomar o lanche da tarde com a gente. Pode passar na padaria e trazer aqueles pãezinhos com aquela farofa doce por cima.

HOMEM
Amanhã, eu não venho.

MULHER
Amanhã, a essa hora mesmo ele vai estar tomando café e comendo as tapiocas com o queijo coalho. Ei, aonde você vai?

HOMEM
Amanhã, eu não venho.

MULHER
Tudo bem. Amanhã ele vai chegar e eu vou estar naquele vestido azul que ele gosta.

sexta-feira, 23 de março de 2012

pelos corredores

Tenho saudades das conversas em que se podia falar de tudo, sem aquele constrangimento estranho de estar sendo afiada demais, fofoqueira demais, petulante demais. Sem nada. Sem esse incômodo de ter que medir palavras. Não media palavras, mesmo que as vezes te machucasse; você não media palavras e muitas vezes me fazia pensar. E agora, nesse movimento egoísta desconfiado, nunca me sinto a vontade pra dizer qualquer coisa sobre quase tudo. Como fazíamos antes. Nem com você, nem com os outros. Nem eles comigo. Nem você comigo. Cresci para aprender a colocar minhas idéias, mas perdi a delícia de poder ser afiada demais, fofoqueira demais, petulante demais. E crescer não devia ter nada a ver com confiança e cumplicidade. 

domingo, 11 de março de 2012

Surpresas da madrugada

E aí você se depara com um link que te leva pra todos os lugares que você queria acessar.
http://www.parkeharrison.com/gray-dawn

Por essas e outras que algumas coisas se chamam arte e outras, qualquer coisa. E qualquer coisa não atinge o que essas imagens atingiram aqui.

sábado, 3 de março de 2012

Um texto assim


Dois homens trabalham cortando carnes no balcão de um açougue.

NAD
Ei, Schiller, como andam suas botas?

SCHILLER
Nada bem, Nad. Não secam nem depois de um dia de sol.

NAD
Você precisa de botas novas, Schiller.

SCHILLER
Eu sei, Nad, mas meus trocados mal dão pro conhaque.

NAD
Posso te vender umas.

SCHILLER
Você tem botas aí, Nad? Por que não me disse antes?

NAD
Não tenho. Mas posso ter.

SCHILLER
E vai roubá-las de quem?

NAD
Não faço dessas coisas, Schiller. Tenho outras maneiras de ganhar a vida.

SCHILLER
Não posso pagar.

NAD
Ainda não dei o preço.

SCHILLER
Já disse que meus trocados mal dão pro conhaque.

NAD
Você pode me pagar a prazo.

SCHILLER
O que é isso, Nad, seu filho da puta, virou agiota?

NAD
Ei, Schiller, cala essa boca. Vai querer ou não as botas?

SCHILLER
Olha, Nad, acho melhor não me meter com caras como você. Meus trocados não dão pra nada e não quero 
morrer por um par de botas.

NAD
Tem medo de morrer, Schiller?

SCHILLER
Não. Só está cedo.

NAD
Sabe, Schiller, tem caras por aí que não acham que está cedo pra você morrer.

SCHILLER
Nad, eu devia moer sua cara.

NAD
(virando-se de costas para Schiller)
Você não é de nada Schiller, nunca soube de uma briga que você ganhou. Esses caras vão acabar com você em um minuto.

Schiller pula sobre Nad. Os dois rolam sobre o balcão. Schiller força a mão de Nad contra o moedor de carne até ele perder as pontas dos dedos.



- Mano, eu queria escrever um filme assim.
- Você não escreve nem bilhetinho pra mulher.
- Coisa de homem, sabe?
- Você nem me parece um homem.
- Vai se fuder, Devid.
- Você é um muleque.
- E você um pela saco.
- Desliga essa porra e volta pro trabalho.
- A dona Silvana disse que precisa ter filme ligado o dia todo.
- Mas é filme novo, coisa que vai fazer alguém querer assistir.
- E o que tem de errado com esse filme?
- É ridículo, velho e decadente.
- Você não entende nada de filmes.
- E você, seu paspalho, entende o quê? Balconista de lanchonete!
- Olha aqui seu cretino, sou tão empregado aqui quanto você. Mais uma dessas e eu vou moer sua cara.
(entra uma cliente. Os dois param de discutir).

quinta-feira, 1 de março de 2012

3,333...

(Um homem fuma seu cigarro. Seus olhos estão vendados).

Dois e duzentos com trezentos e cinqüenta. Dois quinhentos e cinqüenta com sessenta e cinco. Dois seiscentos e quinze pra três. Trezentos e oitenta e cinco por trinta. Doze vírgula oitenta e três três três três menos nove e cinqüenta. O PF é nove e cinqüenta. Quase cinco salários mínimos e três e trinta e três pro jantar.  A conta.
A conta. Corrente. Poupança. Investimento. Renda fixa. CDB. Previdência. Seguro.
Despertador às sete da manhã. Acorda. A corda. A meta. Os juros. Cheque especial. Débito automático. Aplicação automática. Automático. De fábrica. Air bag, direção, trava elétrica. Botões. Sistemas. Não há sistema.
Um carro. Um cargo. Há crédito. É tarde.
O mercado, a bolsa, a meta. São quinze contas correntes no mês. São três e trinta e três pro jantar. 
O seguro. A previdência. A providência. 
(tira a venda dos olhos)
Às sete da manhã acorda.
(Homem sobe em uma cadeira)
O PF é nove e cinqüenta.
(Faz um laço com uma corda)
Há crédito.
(Passa a corda ao redor do pescoço. Crianças sorriem à beira de uma piscina ao seu lado. O galã na novela acena logo atrás dele).
Há meta.
(Rasga a camisa e pula. Em seu peito: E O BANCO QUEM É QUE BANCA?)



“Há duas maneiras de viver a vida. 
A primeira é vivê-la como se milagres não existissem. 
A segunda é vivê-la como se tudo fosse um milagre”
(frase de calendário)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sobre vivendo

Um dia na vida a gente tem que crescer e trabalhar feito gente grande e, de preferência, com alguma coisa que dê prazer. Então, enquanto o que eu escrevo fica por aqui, eu vou fazendo meu dinheiro por ali.

Moradores de São Paulo, fico no aguardo daquela força.

http://drinklandia.blogspot.com/