terça-feira, 21 de setembro de 2010

Eu não sou Clarisse

- Mas do quê você gosta?

- Não sei. Não porque eu não goste de nada, mas porque gosto de muitas coisas ao mesmo tempo. Gosto de comunicação comunitária, gosto de educomunicação, gosto de letras (gostaria de entender muito mais de literatura do que meu vago conhecimento me permite), gosto de ciências sociais... Não sei. Gosto da idéia de desenvolver soluções para questões sociais, gosto da idéia do meu trabalho ser útil para alguém.

- Acho que quando a gente pensa em trabalho, não pode deixar de lado a questão da rotina. Tem que pensar em algo que você se imagine lidando todos os dias. Porque tem coisas que só são muito legais até que virem uma obrigação.

- Eu não sei. Ando perdida e tenho me sentido burra. Já fiz dois anos de formada e nada. Não estudo mais, não entrei no mercado de trabalho na área que estudei... fiquei para trás.

- Pode ser sua chance de dar uma pausa, organizar as coisas, pensar melhor.

Daí eu me lembro da tal entrevista e da frase do Bill Gates: “Dê um tempo para você mesmo e crie alguma coisa”.

E uma angústia que chega devagar, que embrulha de leve o estômago e vai subindo a garganta atropelando os caminhos, os espaços. Preciso de uma pausa, um tempo, umas férias. Preciso da solidão escolhida e não desta que me tem sido imposta. Preciso escrever agora, porque é o que ainda sei fazer para espantar o desconforto. Até quando? Talvez até sempre. Talvez uma angústia crônica associada à decepção de me saber incapaz de acumular todo conhecimento que gostaria e de sentir o tempo passar enquanto mergulho nesse mundo corporativo covarde de bancários, banqueiros e bancarrotas. Uma briga interna, inteiramente minha. Eu e o que eu espero de mim mesma. Eu e o que eu tenho feito para ser quem sou. Desleal essa história de brigar consigo mesmo. Covardia versus coragem, medo versus ansiedade, o que eu sou versus o que eu gostaria de ser. E sobra o inverso da satisfação de dizer: minha vida é a minha cara, como no programa de TV. Eu não crio coisa nenhuma. Faz tempo que eu não penso, no sentido mais real que isso possa ter. Pensar para elaborar raciocínios novos. Tenho sido um robô manuseando programas e pessoas, me deixando a mercê de tipos que eu jamais gostaria de ter conhecido. Trancada num labirinto onde ganância, vaidade e inveja ditam as regras do jogo. E pensar que fui eu que pulei aqui dentro. Eu escolhi me trancar na jaula com os leões em troca de menores cobranças e mais dinheiro no bolso. Me deixando levar por sentimentos próximos aos dessas pessoas que tanto repudio. Me dão ânsias e enjôos e eu aqui, buscando a chave do cadeado que eu mesma fechei. Tenho a sensação de que quando essa porta abrir, só vou levar comigo meu gato cinza, minha caixa de livros e vinis e a certeza de ter me livrado de uma bela e falsa armadilha. Dinheiro, status e “estabilidade” pagam as contas, mas deixam um rombo enorme no seu coração. Ando procurando outro lugar para pendurar minha rede.

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